Demolidor #2, de Mark Waid, Paolo Rivera, Emma Rios, Kano e Koi Pham: Bonito, colorido, afirmativo

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Demolidor #2
Mark Waid, Paolo Rivera, Emma Rios, Kano, Koi Pham, Joe Rivera e Javier Rodriguez
[Panini, 2013]

Porque o meu tempo, ao contrário da minha disposição para o NERDISMO, é finito, você está prestes a ler uma nova modalidade de RESENHISMO PARA OS FORTES: uma mais PONTUAL. A ideia, diante da impossibilidade de resenhar a totalidade de ALGO é resenhar uma PARTE ou FACETA de algo [no caso, a primeira história de Demolidor #2] que eu considere particularmente instigante. Espero que você me acompanhe nessa conclusão.

Daredevil [+] #7, a história que abre Demolidor #2, da Panini, é uma conseqüência direta do PARADOXO das histórias que lhe antecederam. Conforme você, NEO-NERDISTA, leu aqui, a premiada série de Mark Waid [+] começou como uma mistura de NOSTALGIA MARVELITA e APPROACH POLITICAMENTE CORRETO: sustentado em aventuras que seguem o esquema herói x vilão colorido, confrontos com outros mocinhos da editora e cenas de ação periódicas, Waid transformou o Demolidor em um defensor dos MINORITÁRIOS e OPRIMIDOS – tudo muito bem desenhado por Marcos Martín [+] e Paolo Rivera [+].
O paradoxo disso está no herói e no contexto: em uma época de ações afirmativas e orgulho da diferença, Waid se deu um campeão que quase personifica o que ele mesmo deve ver como o ESTABLISHMENT [a.k.a. O MAL]: alto, forte, advogado, um self made man católico.
Era óbvio e politicamente inadequado demais: lido com isso em mente, Daredevil #7 explode em simbolismos. Diferentemente das histórias das edições anteriores, essa não é uma aventura de herói x vilão, mas uma sátira que tem por alvo essa fórmula e o seu protagonista.

Nela, após um acidente com um ônibus escolar [Matt Murdock, alma caridosa, levava os alunos problemáticos do Colégio Cresskill para Crianças Cegas em uma excursão de natal], o personagem título se vê perdido em uma montanha, durante uma nevasca, com oito crianças carentes e ranhentas para cuidar.
Ranhentas, mas não indefesas: essa é a lição da história, aliás. Ao acidente, seguem umas 18 páginas de um Demolidor esfarrapado tropeçando, errando, se perdendo e bom, sendo patético:
TSC TSC TSC
A virada chega em um quase splash-page bastante icônico. Ele fala por si só, mas a EXPLICAÇÃO TÉCNICA é a seguinte: a crise acaba quando o Demolidor, o nosso HERÓI-ESTABLISHMENT, se rende e deixa de subestimar as supostas vítimas da história [isso é soletrado na história: “As criancinhas assustadas de Cresskill. Meu Deus, como eu as subestimei”] que, unidas, salvam o dia.
O desenho de Paolo Rivera repete as virtudes das edições anteriores e reforça o simbolismo da proposta de Waid. Te dou dois exemplos. Um: não há nenhuma justificativa lógica para que Matt Murdock se disfarce de Demolidor, versão esfarrapada, para guiar as crianças [cegas] pela neve – ao contrário: isso é uma afronta direta ao arco maior da série, no qual Murdock tenta, precisamente, desvencilhar-se de sua ligação com o Demolidor. A justificativa para isso é inteiramente simbólica: retratar um herói esfarrapado.
E esse gibi foi publicado em setembro no Brasil.
Podia ter feito uma LEITURA NACIONALISTA GAUDÉRIA.
Dois: perceba como as crianças de Cresskill são indistinguíveis. Certo, você até consegue apontar algumas características físicas de cada uma delas, mas, de forma geral, elas são perfeitamente intercambiáveis – poucas recebem planos-detalhe do seu rosto; passam grande parte do tempo com os olhos vendados, etc [um bom exemplo é essa imagem aí de cima mesmo]. De novo, a justificativa para isso é simbólica: as crianças não representam indivíduos, mas uma coletividade que o nosso herói tradicional é incapaz de salvar, e cuja “maioridade” deve reconhecer.
As outras histórias de Demolidor #2 são mais formulistas e plot-oriented: continua a trama do omega-disc [impressão minha ou ela foi concluída em Justiceiro #2, que saiu ANTES dessa revista? ALÔ ALÔ PANINI], uma analogia nada sutil ao Wikileaks affair [sutil, aliás, como a sensualidade da Gata Negra de Kano [+], uma felina da espécie paniquete] que Waid também trata de soletrar, desenhada por uma Emma Rios [+] [e originalmente publicada em Amazing Spider-Man #677] que se mostra uma excelente emuladora de Paul Pope [+]
…e seguida de uma aventura nostalgia marvelita em que o Demolidor enfrenta o Topeira [o retorno da incrível arte de Rivera]. Pra fechar, o primeiro encontro do Homem-Aranha com o Demolidor [Amazing Spider-Man #16], desenhado por Steve Ditko [+] [desse jeito].
Nas histórias dessa edição, foi-se o paradoxo e murchou a sutileza. Informa o CBR que a fase de Waid na série provavelmente acabará na edição #36. Não deixa de ser impressionante que o escritor tenha conseguido fazê-lo sem incluir uma CIRANDA dos personagens cantando POWER TO THE PEOPLE em alguma edição. [PARA OS FORTES]