Arma X, de Barry Windsor-Smith: O pesadelo de Logan
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Arma X
Barry Windsor-Smith
[Panini, 2003]
Não deixa de ser surpreendente que tão pouco de Arma X, a história do Wolverine escrita, desenhada, colorida e letrerizada por Barry Windsor-Smith, tenha sido tão pouco usada na versão do personagem para o cinema — e, em grande parte, desconsiderada em sua cronologia dos gibis. Pra você aí que só assistiu Wolverine: Imortal [+] e tá perdido, não tenho como colocar isso em meias-palavras: essa é a melhor história do personagem de todos os tempos.
AVISO
Spoilers moderados. Mas, assim, ó:
esse gibi foi publicado vinte anos atrás.
esse gibi foi publicado vinte anos atrás.
Em Arma X, Windsor-Smith nos conta o momento em que os ossos de Logan, versão pré-Wolverine, ganharam o seu UPGRADE de adamantium. É a obra e a graça de uma dessas agências governamentais sombrias, que articula um plano secreto dedicado à criação de super-soldados — o Arma X do título. Só que poucas coisas não são interessantes na forma em que Windsor-Smith resolve essa equação.
O roteiro propriamente dito não é exatamente a coisa mais complexa que o homem já concebeu: personagens são apresentados, a “Experiência X” [perceba como, no segundo quadrinho da primeira página, as lentes do óculos do professor realçam o X Men de “Experiment”] é realizada, sanguinolência é desatada.
Mas tudo é muito mais do que isso. A começar pelos personagens. A história oscila em torno de quatro: Logan, Cornelius e Hines, os dois principais subordinados do Professor, o responsável pela condução da experiência.
Os personagens pouco falam um sobre os outros: colhemos as informações da forma pela qual eles falam, pelos fatos que os preocupam e, principalmente, por detalhes na arte. E nas oito primeiras páginas, descobrimos que Logan é um desajustado [“Hora de escrever pra casa… e fazer as pazes. ‘Querida mama… sua bruxa… chifruda, deformada e caolha”], alcoólatra e mentiroso, além de provavelmente um assassino [“meto seis balas numa moeda… e sobra troco pro chiclete. Quando não tô tremendo. Tá, um ricochete acertou um mané. Quem liga pra isso? Federais, eu acho”].
Mesmo assim, ele é muito mais do que o tradicional anti-herói dos quadrinhos dos anos 90: o castigo [profético] que ele recebe é muito superior ao merecido: no final, o personagem termina bestializado e afastado do CONVÍVIO HUMANO. E ele encara o processo como um animal de sacrifício, com momentos de FÚRIA ASSASSINA, mas frequentemente com SEMBLANTE PACÍFICO. Conforme o placar do INSTITUTO DATA NERD:
RELAX E CALMARIA: 4 |
FÚRIA DESCABELADA: 2 |
Não há redenção: a PENA vai se acumulando, e não há qualquer epifania aparente [a primeira acontece como uma farsa: Logan mata os seus captores dentro de uma simulação mental; a segunda, em uma elipse: acontece no espaço entre o último quadrinho de um segmento e o primeiro do seguinte].
Se Logan é uma espécie de LOBO de sacrifício, Cornelius e Hines também ganham a sua COTA MALDIÇÃO. O background de Cornelius é denunciado por manchetes de jornal ao longo do primeiro segmento: é um médico que praticava a eutanásia piedosa em seus pacientes, o que faz dele um procurado pela justiça. Hines, ex-funcionária da NASA, é ingênua e a sua culpa está precisamente na ignorância. Ambos são colaboradores reticentes do projeto [não entendem a sua escala, nem a totalidade da repercussão de seu trabalho]. A compreensão só vem no final, acompanhada [possivelmente] de um SNIKT redentor, no caso de Cornelius [“Alegre-se, Hines. Já vai acabar”], e acompanhado de lágrimas e arrependimento no caso de Hines.
O Professor é o personagem mais próximo do que você pode esperar de um gibi de super-heróis: é um vilão. Também é autoritário, desumanizado [em nenhum momento vemos seus olhos] inseguro e paranóico: acredita que sempre está na iminência de ser traído e a Windsor-Smith não nos diz com certeza se ele de fato recebe ordens de seus superiores ou, bom, se ele é maluco [perceba que a cor dos retângulos dos textos de apoio oscila conforme o personagem que fala o texto, o que não acontece quando o Professor está ao telefone; de fato, não sabemos quais as respostas que ele recebe, a não ser pela sua reação a elas].
Tem também o COMO a história dessa gente toda nos é contada. De um jeito mais objetivo, a estrutura de Arma X se divide em pequenos segmentos de oito páginas não demarcados, normalmente começando com um quadrinho maior ou um splash-page. Isso acontece porque a história foi originalmente serializada nas edições 72 a 84 da revista Marvel Comics Presents [e o motivo pelo qual faço referência a “segmentos” da história: cada um é um “capítulo”, ou uma edição da MCP].
Mas é mais complexo do que isso. Repare nos diálogos e nos textos de apoio. O texto de Arma X FLUI como um pensamento: as palavras se “amontoam” e a sua disposição na página, em alguns momentos, sequer segue a lógica habitual [do canto superior esquerdo para o canto inferior direito]. O que interessa não é o significado das palavras, mas fazer o leitor mergulhar em um turbilhão:
Como eu já comentei, as cores dos retângulos dos textos de apoio mostram qual é o personagem que está falando. Mas ignore-as por um momento e me acompanhe [a sequência de leitura forma um “U”]: “Injete. VEEP Acelerado. VEEP Injete. Por que o tumulto, Cornelius? Professor, onde o senhor está? O que você quer, doutor? VEEP Temos problemas, pode voltar à sala de operação. Estou ocupado, qual é o problema. Há uma drenagem excessiva de adamantium pro túnel do carpo e… mãos e pulso… não sabemos por que nem podemos impedir. VEEP acelerado. Injete”.
Isso ajuda, e apesar do traço hiper-realista de Windsor-Smith, a compor uma história de ficção-científica muito… ABSTRATA. A maquinária que equipa as salas em que se desenvolve o projeto sequer é discernível na maior parte do tempo: é apenas uma desculpa para Windsor-Smith lotar os cenários de formas geométricas coloridas, de propósito narrativo. Assim, ó:
A verdade que você não quer reconhecer é que Rob Liefeld faz a mesma coisa. |
Mais: a narrativa não é exatamente linear, parte acontece entre os quadrinhos e outra parte é ambígua. Já comentei a epifania é primeiro retratada como uma farsa, depois com uma elipse. Além dela, tanto a última quanto a primeira sequência de Arma X são bons exemplos disso.
Na primeira, perceba que o período da vida de Logan em que ela transcorre é ambíguo. ASSUMIMOS que se trata do período imediatamente anterior ao seu sequestro por parte dos agentes do Projeto X, mas, terminada a leitura, não há como ter certeza: depois dessa sequência, todos os flashbacks são retratados em colorização azul [como, por exemplo, no início do segundo segmento]; sabendo que Cornelius mexeu com a mente de Logan, e considerando que ele é atormentado por visões que depois se concretizam de forma idêntica, não há como se ter certeza se a PROFECIA não é uma MEMÓRIA.