Hawkeye: My Life as a Weapon, de Matt Fraction, David AJa e Javier Pulido: Pós-moderno e descolê

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Hawkeye: My Life as a Weapon
Hawkeye: My Life as a Weapon
Matt Fraction, David Aja, Javier Pulido, Alan Davis, Mark Farmer e Matt Hollingsworth
[Marvel, 2013]
Hawkeye: My Life as a Weapon, o encadernado das cinco primeiras edições da nova série do Gavião Arqueiro escrita por Matt Fraction [+] e desenhada por David Aja [+] e [nas edições 4 e 5] Javier Pulido [além de uma história da revista Young Avengers Presents #6, desenhada por Alan Davis [+]] é um gibi DESCOLÊ.
Isso te parece VAGO? Bom, não é: pode ser identificado por coisas bem específicas, na verdade. A ABORDAGEM é irônica: o Gavião Arqueiro é uma espécie de HERÓI B [“Hawkguy” é o apelido que ganha involuntariamente de seu vizinho], que deve ser acompanhado pelo seu CARISMA, não pela trama propriamente dita. A graça dela é, na verdade, ver de que forma o protagonista vai SE LASCAR no curso da SOLUÇÃO DO PROBLEMA apresentado, enquanto Fraction e Aja debocham de diversos elementos de uma história de aventuras e tentam te convencer de que eles são OS CARAS MAIS LEGAIS, com referências dirigidas para um público DJÓVEM ADULTO de entre 20 e 30 anos.

Tome as três primeiras edições como exemplo [as três desenhadas por David Aja e, incidentalmente, as três melhores do encadernado]: cada uma delas dá destaque para um dos elementos de uma história de aventuras [o próprio herói, as vítimas, o vilão], enquanto trata os outros de forma mais COLATERAL, mas sempre com um APPROACH mezzo debochado, mezzo sério.
Na primeira, Gavião Arqueiro deixa de evidente que não é o herói que você esperava – não que ele seja o JUSTICEIRO, mas ele também não é o CAPITÃO AMÉRICA. Aliás, esse é o exemplo que o personagem literalmente usa [“ter o Capitão América ao seu lado o tempo todo. Ele apenas… o cara tira o melhor que as pessoas tem dentro delas. Você… quer ser bom quando ele está do seu lado. Você realmente quer. Ivan, dá uma olhada. Porque, agora mesmo? O Capitão América não está aqui”]. A ideia é te mostrar um herói ferrado, na chuva, sem dinheiro para o táxi, mas cujo propósito, salvar famílias do despejo por parte de exploradores gananciosos, não deixa de ser digno. De resto, os vilões são uns MAFIOSOS RUSSOS toscos [e recorrentes] e a principal vítima é o impagável PIZZA DOG.
Pizza Dog, David Aja, Hawkeye #1 [Hawkeye: My Life as a Weapon]
O cão, o mito!
Na sequência, o Gavião Arqueiro está em modo ligeiramente MAIS HERÓICO: o cara está tratando de DETER BANDIDOS, uma versão super-vilanesca do CIRQUE DU SOLEIL, que estão planejando um grande golpe contra todo o SUBMUNDO MAFIOSO da Marvel [o Rei do Crime, o Coruja, o Cabeça de Martelo, etc] — as vítimas, como tu vê, não são exatamente UM REI DOENTE e a sua FILHA VIRGEM.
Pra fechar, nós temos uma história que consiste basicamente em uma PERSEGUIÇÃO: o Gavião Arqueiro coloca seu arsenal de TRICK-ARROWS a prova contra uma gangue asiática que o perseguem em um quatro MINI COOPERS. Se você tem em conta que o arqui-inimigo arquetípico do HERÓI é um DRAGÃO, facilmente perceberá que o carro do Mr. Bean tem o contrário de GLAMOUR em quantidade suficiente para caracterizar uma PARÓDIA. O Gavião, a propósito, está dirigido um Dodge Challenger 1970, que é o mesmo carro de Corrida Contra o Destino [Vanishing Point, o road-movie hippie] e, conseqüentemente, de À Prova de Morte, de Quentin Tarantino [+], enquanto que os vilões estão uniformizados com JAQUETINHAS DA ADIDAS, dois bons exemplos de referências ao tal do público djóvem-adulto.
Essas três primeiras histórias foram desenhadas por um David Aja inspirado. O traço dele lembra uma versão um pouco mais minimalista de David Mazzucchelli [+]. Mas o que importa mesmo é a narrativa: Aja aprendeu diversas lições lendo os gibis de Chris Ware [+] e forma com o também espanhol Marcos Martín [+] [esse na série Daredevil [+]] a dupla que conseguiu aplicá-las aos gibis de super-heróis.
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WAT R U DOIN
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STAHP

As duas histórias que melhoram mostram isso são a primeira e a terceira. Numa, temos a abundância de quadrinhos por página, normalmente mais de dez. Nas páginas mais lotadas, diversos dos quadrinhos são, bom, quadrados, e servem apenas para mostrar algum detalhe da reação dos personagens ou do ambiente em ações que acontecem simultaneamente OU QUASE. As páginas ali de cima são um bom exemplo. Outro, é a primeira página da segunda edição:

David Aja, Hawkeye #2, page 1 [Hawkeye: My Life as a Weapon]
Na outra, a terceira, o aspecto esquemático que isso dá pra narrativa [muito característico de Ware, o homem que nasceu para fazer ORGANIGRAMAS] fica evidente. A edição é basicamente toda ela uma cinematográfica cena de perseguição de carros narrada em quadrinhos widescreen, com outros em formato “normal” respingados na página, mostrando a reação de algum dos personagens ou, na maioria dos casos, a ponta da trick-arrow sendo utilizada pelo Gavião Arqueiro. Assim:
Hawkeye #3 [Hawkeye: My Life as a Weapon]
E o restante do encadernado? Bom, ele é suficiente para mostrar que o papel de David Aja na elaboração disso aí é bastante grande: The Tape, a história desenhada por Javier Pulido [dividida em duas edições], tenta e não consegue emular a mesma VIBE.
Na trama, uma fita com uma gravação do Gavião Arqueiro matando uma espécie de Bin Laden do universo Marvel [“Du Ke Feng”] cai nas mãos erradas e ele precisa reencontrá-la antes que seja leiloada em Madripoor, o porto sem lei da Indonésia marvética. Se esse pretenso realismo está nas outras histórias, ele nelas ele não era tão “sério”: fomos de um mafioso de fundo de quintal que explora POBRES DESAMPARADOS, o Cirque Du Soleil do mal e de asiáticos atrapalhados para uma cidade que é a encarnação viva do POÇO DE CRIMINALIDADE, uma OPERAÇÃO BLACK-OPS e o ASSASSINATO DO MAIOR TERRORISTA VIVO.

E, ainda que em todas as edições o Gavião Arqueiro seja, de alguma forma, SURRADO, em The Tape a violência não tem o aspecto COIOTE E PAPALÉGUAS das outras histórias. Por exemplo: fudidismo do Gavião, que sempre está a um passo de se ferrar, é literal — não existe forma sutil de dizer isso, então lá vai: em determinado momento o Gavião Arqueiro é torturado para dizer o lugar onde está escondido um cartão de crédito, que o próprio cuidadosamente enfiou no cu.

Especificamente quanto ao desenho, Javier Pulido tem um traço bem mais próximo de Darwyn Crooke [+] e Tim Sale do que de Aja ou Mazzucchelli: mantendo o minimalismo, mas menos representacional é mais caricato. A narrativa é mais “tradicional”: o layout das páginas é o habitual e os quadrinhos, quando se repetem, não é de um jeito esquemático, mas FLUÍDO, ditando o ritmo da passagem do tempo.

Pulido, ainda, não brinca com a linguagem dos quadrinhos como faz Aja: em sua história, não há nada como os planos-detalhe das trick-arrows ou trocadilhos visuais como os da edição três.

David Aja, Hawkeye #3 [Hawkeye: My Life as a Weapon]
Na foto: trocadilho visual.
Existe, no entanto, uma coerência visual nas histórias de Aja e Pulido: o colorista, Matt Hollingsworth [+]. Depois de quatro indicações e um prêmio Eisner, Hollingsworth, que é um dos principais coloristas da Marvel [o que quer dizer bastante: a colorização digital tá substituindo o papel do arte-finalista à hora de dar coerência e reforçar a ambientação no traço dos desenhistas] coloca os mesmos tons de roxo e amarelo desprovidos de degradê e efeitos brilhosos digitais, ao que somos eternamente gratos, nos desenhos de Pulido e Aja. E ainda entrega de bandeja para aquele um quadrinho com essa QUALITÉ:
Javier Pulido e Matt Hollingsworth, Hawkeye #5 [Hawkeye: My Life as a Weapon]
Já a última história, desenhada por Alan Davis e publicada em momento anterior [2008] ao lançamento original da minissérie aqui encadernada, não tem nenhuma relação com nada que você viu no encadernado: é uma história de super-heróis tradicional, versão triangulo amoroso, desprovida de ironia, e desenhada por Alan Davis com arte-final de Mark Farmer, arte que seria idêntica a todas as outras em que a dupla colaborou se não fosse pela colorização literal bastante horrenda, confusa e hiper-phoshopada, de Paul Mounts. A única justificativa para a sua inclusão nesse encadernado é que o Gavião Arqueiro e a sua sidekick aparecem nela e o roteiro é de Matt Fraction em modo automático.
O que nos leva de volta ao resto: além de sua provável participação na abordagem irônica, e se Aja é tão importante e o desenho é um desbunde, o que pinta Fraction nessa equação? Bom, no que se refere aos elementos especificamente textuais, o Ultimate Hipster da Marvel, assim como Aja nos desenhos, faz um monte de brincadeiras PÓS-MODERNAS com a linguagem dos quadrinhos.

Assim, textos e diálogos são apresentados de uma forma não representacional: na segunda edição, por exemplo, a manchete de um Daily Bugle que está sobre a mesa da cozinha do Gavião Arqueiro diz “EVERYTHING AWFUL Oh God Somebody Do Something”; na primeira, os balões de fala não registram texto em outros idiomas que não o inglês, substituindo-os pelo que deles o Gavião percebe [“Back off, <russian, maybe?>, I kell you, okay, bro?”]. Além disso, temos algo que eu batizei agora mesmo de MEMETISMO, a repetição de bordões com fins HUMORÍSTICOS [como o onipresente “Okay, this looks bad”, enfatizando o looserismo do personagem, e o “bro!”, na boca de todos os vilões menos cotados].

PROVA “A”.
David Aja, Hawkeye #2 [Hawkeye: My Life as a Weapon]
PROVA “B”.

Noutras palavras: um monte de artifícios narrativos usados em tom irônico e de ÍNDOLE muito DESCOLÊ. Se você está se sentido DEFRAUDADO por essa conclusão circular, EXAURIDA no primeiro parágrafo, bom… você não estaria aqui se não estivesse disposto a me ver alcançá-la em menos de 7000 caracteres! [PARA OS FORTES]