Justiceiro MAX: Rei do Crime, de Jason Aaron, Steve Dillon e Matt Hollingsworth: Assassinatos, torturas e estupros em widescreen

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Justiceiro MAX: Rei do Crime
Jason Aaron, Steve Dillon e Matt Hollingsworth
[Panini Comics, 2014]
 
Punisher MAX, a série que teve as suas 5 primeiras edições reunidas em Justiceiro MAX: Rei do Crime, tem um fundamento: repetir o MOJO de Garth Ennis com o personagem.
Para isso, Axel Alonso, editor da linha, reuniu Jason Aaron, um Ennis versão sério [como o da primeira série do Justiceiro publicada pelo selo MAX] e melhorada, e Steve Dillon, colaborador habitual de Ennis e desenhista de sua primeira série com o personagem [na época, no selo Marvel Knights], para recriar o personagem, desvinculado da cronologia do Universo Marvel regular. E com sangue. Com muito sangue.
Não é de se estranhar, portanto, que ao longo das 116 páginas de história do gibi nós sejamos expostos a 29 assassinatos, 4 cenas de tortura, 3 estupros e um cavalo despedaçado.

E isso. Não sei em que categoria colocar isso.
O ângulo, no entanto, é um pouco mais NIILISTA. Esses números aí de capital violência são sustentados por uma trama que serve de origem não para o Justiceiro [que, quando a história começa, já está em atividade há muitos anos], mas para o Rei do Crime, Wilson Fisk. Capanga do líder das Cinco Famílias, o grupo de mafiosos que controla o crime organizado em Nova Iorque, Fisk desenvolve um plano para acabar com Castle, pedra no sapato de todas elas: criar um fictício Rei do Crime, uma isca para atraí-lo e matá-lo. Mas o seu objetivo, na verdade, é outro: passar a máfia para trás e assumir o papel do bandidão-mor.
Wilson Fisk, portanto, é o protagonista da história – o que, somado ao altruísmo tortuoso de suas ações [o seu objetivo seria garantir a felicidade da sua família com base na construção de um IMPÉRIO DO CRIME], que, no fim, se revela uma fraude [spoiler, ele sacrifica o seu filho para garantir a culminação do plano, fim do spoiler] já garante parte da COTA DESESPERANÇA: você está, no fim das contas, lendo a história de um cara que quer ser O REI DO CRIME.
O Justiceiro, suposto herói e reduzido ao papel de MacGuffin, não é muito melhor: uma máquina de matar que, como o final deixa claro, teve a sua motivação engolida pelo impulso homicida. Algumas dicas nos chegam pelas mãos de Dillon…
Se os olhos são o espelho da alma, o Justiceiro deveria se confessar.
…a mais engenhosa delas essa página, que usa o recurso de retratar duas ações separadas de forma simultânea de um jeito que funciona muito bem em quadrinhos, um paralelo entre ele e o Rei do Crime:
Fora os dois, o personagem de maior destaque da história é o Menonita — um dos poucos coadjuvantes que aporta mais do que vísceras ou motivação para algum dos personagens principais. Se a função dos coadjuvantes é reforçar o tom de uma narrativa, O Rei do Crime de fato é uma história onde os bons não têm vez: ganhador “moral” da luta com o Justiceiro [que até mesmo expressa a sua admiração pela figura], essa mistura de William Munny com o próprio Jason Aaron [percebam o seu approach cético à fé da sua comunidade] é o único homem de palavra com alguma convicção moral e genuíno altruísmo. Morre por uma mistura de covardia com golpe de sorte do Justiceiro. Se arrepende dos seus pecados. Deixa dois filhos com uma mãe doente, que confiam nele e verão suas esperanças frustradas.
“O papai não vai nos deixar”.
Quer apostar, gurizão?
Nesse ambiente, Dillon [e Matt Hollingsworth, o colorista, coerente com a proposta de Dillon] ficou um pouco descolado. O seu traço é limpo e livre de hachuras, as cores são abertas, os personagens têm corpos modulados e rostos parecidos [quase que um teatro de bonequ… digo, ACTION FIGURES], o ritmo é de uma ação de cada vez por quadrinho, retratada constantemente a meia distância. Isso faz com que o desenho tenha um senso de humor que o texto não parece acompanhar…
HAHAHAHAHAH?
 …e dá para as cenas de ação um jeitão de desenho animado [vá direto para 11 minutos e 25 segundos]:
Só que os cenários do Jonny Quest são mais elaborados.

Existe, no entanto, sintonia. Além do paralelismo entre o Justiceiro e o Rei do Crime comentado ali em cima e sutilmente insinuado pela arte e a caracterização pelos olhos virados em manchas negras, o desenho de Dillon tem jeito cinematográfico — assim como a proposta [recriar o herói em um universo próprio, como se em uma adaptação para o cinema fosse], como foi evidentemente percebido por Aaron [que se deu o trabalho de incluir uma cena pós-créditos que é um autêntico cliffhanger — com o Mercenário], e a colorização “literal” [o céu é azul, o sangue é vermelho, etc].

Desde o ponto de vista da narrativa, isso se faz a base de composições de página que abusam de quadrinhos widescreen, sequências com quadrinhos que mantém a “câmera” em um mesmo ponto [com ou sem zoom], ausência total de onomatopeias, expressividade facial contida [Dillon é o rei das sobrancelhas arqueadas] e movimentos naturais. Tudo isso está em funcionamento nessa sequência de três páginas [uma tortura…], somado a ratos nada caricatos e colorização com fins narrativos [existe algum motivo pelo qual o cenário é vermelho, além de invocar o estado de espírito adequado?]:
Se Kevin Feige não tiver problema com os estupros, com os olhos arrancados, com a massa encefálica escorrendo, com os protagonistas amorais [e com a virtude derrotada] e, de forma geral, com fazer um filme quase-gore, Justiceiro MAX é um bom ponto de partida para um filme do personagem [o Mercenário >>>>> Thanos]. Noutras palavras: não vai acontecer. [PARA OS FORTES]