Holy Terror – Terror Sagrado, de Frank Miller: Jack Kirby e Jackson Pollock, Velozes e Furiosos

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Holy Terror – Terror Sagrado
Frank Miller
[Panini, 2013]

A primeira vez que eu vi a edição da Panini de Holy Terror – Terror Sagrado, a vilipendiada resposta de Frank Miller [+] para os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, foi em uma das estantes da Multiverso Comic Con, a convenção de nerdismo porto-alegrense. Ao meu lado, alguém expressou a sua inequívoca incredulidade através de um sonoro “não acredito que eles tiveram coragem”. “Eles”, no caso, eram os editores da Panini, como se publicar um dos últimos [e mais polêmicos] gibis de um dos principais artistas do gênero fosse algum tipo de JOGADA EDITORIAL INVEROSSÍMIL.
É uma anedota ilustrativa: Holy Terror é um gibi ACUADO. Parte do problema é a temática controversa [fica frio, é um eufemismo], que o coloca em um PONTO CEGO: o nerdismo super-heróico mais ADIPOSO odeia iniciativas controversas; e o apego do mundo da ARTE CHIC VANGUARDISTA acolhe apenas a dirigida a alvos específicos, politicamente corretos [COF COF BANKSYCOF COF], aos quais Miller não apontou o seu RANGER DE DENTES. E parte é porque, bom, Holy Terror dedica grande parte de suas páginas a parecer que foi feito em cinco minutos.

Não vou ser eu a desatar o PRIMEIRO NÓ: isso aqui é um BLOGUE SOBRE GIBIS e o meu interesse agora mesmo é o lado GIBI ESTÉTICO da coisa. E, quanto a isso, te digo: existe um MÉTODO.
Holy Terror é um EXERCÍCIO DE ESTILO, como, aliás, grande parte da obra de Miller pós-Sin City [o primeiro, retro-batizado de The Hard Goodbye]. E o estilo exercido é MEIO PUNK, MEIO ARTÊ e 100% CONTUNDÊNCIA. Esperar que o gibi fosse sutil e arrazoado é o mesmo que exigir que uma música dos Ramones seja reflexiva e ponderada.

Hodie, caritatem vestra
Cras, orbem

É uma comparação que tem as suas limitações, já que a tosquice dos Ramones, ainda que bem recebida, era resultado de suas próprias limitações. Para manter a metáfora musical, pense na cuidadosa desafinação de Sonic Youth: Holy Terror também é conceitual. A sua SUJIDADE e a sua cara de rascunho são PLANEJADAS. Perceba:

O gibi está recheado de páginas como essas [a segunda das quais, a propósito, é INCRÍVEL]. São splash-pages sujos, manchados, abstratos, tentando emular o que seria um gibi feito pelo cruzamento de Jack Kirby [+] e Jackson Pollock, distribuído através de um zine xerocado. Ao mesmo tempo, essas páginas ARTÊS convivem com outras assim:

Quando você lê por aí que Holy Terror parece ter sido feito nas coxas, a pessoa está pensando em páginas como essa aí. E ela tem razão – EM PARTE. As páginas nas quais Miller não despejou umas trezentas TÉCNICAS DE SUJAMENTO foram desenhadas como se as mãos de Miller funcionassem em duas velocidades: “rápido” e “mais rápido”. O que só traduz o RITMO FEBRIL da produção, algo que é quase uma característica do Miller. Pra ficar no seu gibi mais famoso, o igualmente acelerado Cavaleiro das Trevas:

Abstraia a colorização.
Se a arte de Holy Terror oscila entre os modos “veloz e furiosa” e “pintura moderna furiosa”, o fiapo que faz o papel de trama cumpre, apenas, o primeiro papel: é impossível descrevê-lo com mais complexidade do que “os mocinhos vão lá e PUMBA”, sendo que o que une uma coisa à outra em algum momento da história é SOLETRADO. Holy Terror não tem uma trama com nuances ou qualquer grau de complexidade. Tem um FIO que serve pra Miller costurar suas idiossincrasias com a estética que LHE APRAZ, de forma especialmente mau-humorada [aliás: o senso de humor de Frank Miller é péssimo].
O quadrinista sempre foi uma espécie de LIBERTÁRIO ICONOCLASTA apaixonado por ÜBER-HOMENS. Pense em Sin City, onde todo policial, padre e político é corrupto e pervertido, em Cavaleiro das Trevas, protagonizado por um Batman bigger-than-life que forja o seu próprio padrão de moralidade e em 300, com a camaradagem tribal espartana.
Agora, pensa em Holy Terror. O Censor é uma versão do Batman, não do Capitão América, que não mantém vinculação perceptível com qualquer instituição [religiosa ou patriótica] e que tem um padrão de moralidade bastante peculiar. A ênfase da conseqüência do ataque terrorista que dispara o gibi é dada através do desaparecimento do rosto de uma infinidade de indivíduos: a preocupação do Censor é com a cidade e com seus vizinhos. As figuras de autoridade não são lá retratadas de uma forma muito lisonjeira: o “Gordon” de Terror Sagrado se revela um bigodudo acovardado, enquanto que o ataque não teria sido possível sem a participação de um comissário de polícia corrupto [como nos é didaticamente explicado pelo Censor].
A dinâmica da relação entre o Censor e a Gatuna [a pseudo-Mulher Gato] também segue contornos característicos da obra de Miller. A DANÇA DE ACASALAMENTO que abre o gibi lembra aquela da Mulher Maravilha e do Super-Homem em Cavaleiro das Trevas 2 – e que mais parece um DUELO. A Gatuna, a Mulher Maravilha, a esposa de Leônidas, ou as prostitutas de Sin City, pra manter a metáfora do MUNDO ANIMAL, são FÊMEAS ALFAS. O que o protagonista vê nela são HABILIDADES NO COMBATE e conquistá-las significa PROVAR-SE. Provavelmente há UIVOS entre os quadrinhos.
WOOF WOOF
[no setido horário: DK2, Sin City: The Big Fat Kill e Holy Terror]
Se grande parte de Holy Terror é tipicamente Milleriana, o gibi também resgatou algo que é tipicamente QUADRINÍSTICO: os gibis de super-heróis americanos tem um histórico como fantasia de escape para jovens que abordavam problemas sérios com base no deboche violento e, digamos assim, insensato.
SPOILER ALERT
Nada disso é um tratado sobre a política
É a VIBE que Holy Terror pretende evocar: rápida, direta e furiosa — só que não debochada. A pressa e o relaxamento não são resultado de preguiça ou equívoco, mas de um projeto estético coerente. Que a polêmica persista, mas no FRAME MENTAL adequado. [PARA OS FORTES]