Wonder Woman: Blood, de Brian Azzarello, Cliff Chiang e Tony Akins: Não seja um tarado

 * * *
Compre na Amazon
Wonder Woman, Volume 1: Blood
Brian Azzarello,  Cliff Chiang e Tony Akins
[DC Comics, 2012]
Brian Azzarello [+] e Cliff Chiang [+], a dupla criativa responsável pela série da Mulher Maravilha pós-Novos 52 [+] [publicada no Brasil pela Panini, na revista Universo DC, e cujas seis primeiras edições Wonder Woman: Blood reúne]  talvez tenham sido os maiores beneficiados pelo ZERAMENTO da cronologia da DC.
Se Batman seguiu em seu RUMO SEGURO, nas mãos de Scott Snyder [+] e Grant Morrison [+], basicamente como estava, e o Super-Homem foi vacinado pelas eventuais modificações no status quo introduzidas pelo mesmo Morrison na revista Action Comics no momento em que decidiram entregar a outra série do Azulão, Superman, para George Pérez [+], a Mulher Maravilha não apenas partiria do zero, como seria uma CARTA BRANCA: aposto que você lembre quem era a equipe criativa anterior [confio que ninguém esteja disposto a suportar a DESONRA de assumir o contrário] e a personagem, o pastel-de-ar mais famoso dos quadrinhos americanos [e que já foi recheado tanto com SADOMASOQUISMO quanto com uma versão UBER-DONA-DE-CASA], é PROPENSO a reinvenções.
O que a dupla resolveu fazer com isso foi uma história HONESTA de TERROR SUPER-HEROICO: Wonder Woman: Blood é uma espécie de REBOOT grim n’ gritty do lado amazônico do Universo DC, mais ou menos nos moldes do que o filme Gladiador [aquele do Ridley Scott [+]] e a série Roma[aquela da HBO] fizeram pela Roma clássica.
Talvez a expressão adequada para definir o APPROACH seja DESMITIFICAÇÃO, o que se encontra perfeitamente simbolizado no ponto principal da trama desse primeiro arco de histórias: a Mulher Maravilha não foi FORJADA a partir do barro pela sua mãe [origem idealizada], mas o resultado de uma ESCAPADINHA EXTRACONJUGAL dessa com Zeus [origem desmitificada, ao menos pro que se refere a um gibi ambientado no PANTEÃO DOS DEUSES GREGOS]. Perceba que em uma tacada só Azzarello JIU-JITSOU três elementos míticos da série: a origem da MM, o caráter IMPOLUTO de sua mãe [rainha da Ilha Paraíso] e de Zeus, que, na série, é basicamente um conquistador irresponsável [mais: perceba que Zola, personagem que, grávida de outro filho de Zeus, serve de motor para a história, é uma adolescente].

Claro que tudo isso não aparece apenas na questão temática, mas também na, digamos assim, TEXTURA. As duas primeiras sequências da primeira edição, já mostram o lado para o qual são dados os tiros na história: na primeira, Apolo aparece em uma versão yuppie, de terno ROXO no topo de um arranha-céus na SKYLINE moderno-futurista de Singapura, acompanhado de três PIRIGUETES, as únicas que não percebem que estão na IMINÊNCIA DE SEREM CARNEADAS.
Se disso tu só tira apego ao realismo, te mando nas paletas a segunda: uma vilã semi-nua não identificada abate dois cavalos com uma GADANHA e muito KETCHUP CENOGRÁFICO para invocar duas criaturas mitológicas de aspecto grotesco — armadas por ESPADAS e MAÇAS ENFERRUJADAS.
Pra você que sempre quis ver um PARTO DE CENTAURO.
Aliás, falando em ASPECTO GROTESCO, tome aí um pouco de CHARACTER DESIGN AUTOEXPLICATIVO que vai te deixar com a impressão que eu só estou RODEANDO [percebam que a Discórdia tem um design meio EMO, talvez uma tentativa de emular o sucesso que Sandman teve entre os então-DJÓVENS góticos da minha geração], bastante distantes do aspecto BREGA-APOLÍNEO da versão de Pérez:
Guerra e Zeus, na versão do Pérez…
…Discórdia, Guerra [fomentando um conflito no meio da África] e Poseidon, todos no traço de Chiang.
Mas também não se deixe enganar: Tudo isso só está lá para dar credibilidade madura a uma história que é, em sua essência, uma espécie de drama adolescente que transpira angústia e que passa por um SHOW DE METAL, ao qual a Mulher Maravilha assiste com cara de poucos amigos: poderia ser facilmente resumido como “a Mulher Maravilha descobre que mamãe mentiu pra ela”, fato terrível para pessoas de entre DOZE E QUINZE ANOS. Ficamos na expectativa que tudo isso vire um ARCO DRAMÁTICO DE CRESCIMENTO PESSOAL.
CRESCIMENTO PESSOAL, YEAH!
No que se refere especificamente aos desenhos, Cliff Chiang ficou com as 4 primeiras edições e Tony Akins com as 2 últimas. Os dois tem um estilo que puxa pro lado cartunesco — Chiang, aliás, aportou aos quadrinhos de super-heróis depois de trabalhar na Disney Adventure Magazine [e se FORMAR EM HARVARD, numa evolução carreirística que deve ter matado os seus pais de orgulho], o que deve ajudar para que seu traço seja um pouco mais arrendondado [e as pessoas, mais bonitas, e as expressões faciais menos parecidas com espasmos] que nos desenhos de Akins.
Akins, no entanto, é mais variado em suas composições de página: as de Chiang são muito parecidas, mal parecido com o que Eduardo Risso padeceu em 100 balas [Brian Azzarello, ESTAMOS DE OLHO], e seguem o esquema de um quadrinho sem bordas maior, ao lado dos quais outros menores e fechados são organizados. Assim, ó:
Chiang, no entanto, tem uma vantagem: ainda que também seja prejudicado pela colorização SALIENTE de Matthew Wilson, dela tira algum BENEFÍCIO. Ainda que tanto em um caso, como em outro, o aspecto VÍTREO dos olhos photoshopados por Wilson consiga nulificar algumas expressões faciais [ou isso, ou a Ilha Paraíso é a cracolândia do Universo DC], e as imagens que já estão DISPERSAS pelo post são abundantes em exemplos disso, nas páginas desenhadas por Chiang a colorização agrega algo à narrativa para compensar o que tira — as cenas noturnas parecem, bom, TRANSCORRER À NOITE, assim como as iluminadas por tochas parecem ser iluminadas por tochas. Dá até pra sacar o PASSAR DO DIA ao longo do que seria a terceira edição da série regular.
Nada desse LADO BOM pode ser dito sobre as páginas desenhadas por Akins: nelas, a colorização é, digamos assim, LITERAL, só serve para dizer que o que é verde é verde. Pra piorar, principalmente na última edição Akins não parecia estar nas pilhas de desenhar FUNDOS, substituídos por 50 TONS DE CINZA [as palavras foram cuidadosamente selecionadas para ajudar donas de casa solitárias a encontrar o NFN: a elas, o meu de nada] por Wilson.
Não deixa de ser PARADOXAL que essa série tenha levantado controvérsia entre setores militante-feministas do mundo nerd-quadrinístico: a desmistificação do personagem foi confundida com degradação de um dos principais símbolos femininos das hqs americanas. Wonder Woman: Blood, é uma fantasia adolescente de um personagem em conflito com seus pais pela via de reboot desmistificado. Você pode, no entanto, lê-lo no ônibus sem ser encarado como um pervertido.
Ao contrário de.
A Ilha Paraíso pode ter se transformado em um lugar um pouco mais sórdido, mas agora ela também é habitada por Amazonas que não apelam aos IMPULSOS DO BAIXO VENTRE e uma Mulher Maravilha é mais atlética e menos ATRIZ PORNÔ: se Wonder Woman: Blood tem uma característica, não é ser uma degradação, mas um RESGATE.

E talvez essa seja a sua principal virtude.